Drama da Bósnia retrata de forma angustiante e íntima a história real do último genocídio europeu reconhecido pelo Tribunal de Haia: o massacre de Srebrenica, em 1995; leia resenha.
O retrato íntimo do desespero de uma mãe para salvar a família do fuzilamento tem como cenário o registro histórico de como oficiais das Nações Unidas (ONU) presenciaram, omissos, ao maior crime de guerra na Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial.
“Quo vadis, Aida?”, filme da Bósnia-Herzegovina indicado na categoria internacional do Oscar 2021, amarra bem esse drama particular ficcional com a reconstrução do (infelizmente real) Massacre de Srebrenica, assassinato de 8 mil bósnios por soldados sérvios em 1995.
O filme também foi indicado à categoria internacional e de direção do Bafta, premiação britânica que é um dos termômetros do Oscar. Ainda não há previsão de estreia no Brasil.
Aida (Jasna Djuricic) em ‘Quo vadis, Aida?’ — Foto: Divulgação
Tradutora do desespero
A sacada da roteirista e diretora Jasmila Zbanic é a posição em que ela coloca Aida (Jasna Djuricic), a protagonista. Ela é tradutora da ONU em Srebrenica, pequena cidade bósnia que era (ou deveria ser) protegida pelas forças internacionais durante a invasão do exército sérvio.
A heroína que tudo vê e quase nada consegue fazer é uma das personagens mais marcantes de uma temporada cheia de histórias angustiantes no Oscar 2021 – incluindo o vizinho do leste europeu “Collective”, ótimo documentário sobre a corrupção no sistema de saúde da Romênia.
Aida presencia todas as conversas entre os oficiais holandeses da ONU e os invasores sérvios. Os soldado da Holanda fazem de tudo para demonstrar controle, mas Aida nota que eles perderam totalmente a capacidade de protegê-los.
Família ficcional, fatos reais
Aida e sua família são personagens criados pela cineasta. Mas o resto do filme mostra bem a espetacular falha dos guardiões despreparados da “zona segura”, um fato histórico. Sem equipamentos nem reforço, eles simplesmente deixaram os bósnios serem levados para a morte.
Os comandantes das forças sérvias foram condenados pelo Tribunal Internacional pelos crimes de guerra. O ex-general Ratko Mladic está em prisão perpétua pelo genocídio. Mas a Holanda também foi julgada parcialmente responsável pela falha de suas forças em garantir a segurança dos bósnios.
Esse assombro de ver uma atrocidade numa época nem tão antiga, num cenário que lembra qualquer cidade atual do leste europeu, e na cara da comunidade internacional, é bem ilustrado nas conversas entre os oficiais estrangeiros e a tradutora (ficcionais, mas potentes).
Ao entender o risco para seus vizinhos e, principalmente, para seu marido e os dois filhos, Aida corre desesperada entre as salas improvisadas do abrigo. A aparente segurança – afinal, a ONU está presente – se esfacela em câmera lenta. A quem recorrer? O que fazer?
‘Quo vadis, Aida?’ — Foto: Divulgação
Do jeito que o Oscar gosta
As figuras imponentes e quase cômicas dos generais holandeses e suas respostas burocráticas aos apelos dos bósnios (às vezes sutis, às vezes desesperados) são de dar pesadelo. Uma dramaturgia excelente para recordar um fato histórico impressionante – tudo do jeito que o Oscar gosta.
Dava até para apostar numa vitória se não estivesse em um ano tão bom para os filmes internacionais – incluindo “Collective”, também indicado a melhor documentário, e o dinamarquês “Druk – Mais uma rodada”, que colocou o cineasta Thomas Vinterberg na lista de diretores.
Aida e o oficial holandês das forças da ONU em ‘Quo vadis, Aida’ — Foto: Divulgação