Governo Federal Se Contraria Ao Responder TCU Sobre Uso De Cloroquina

Jornal Nacional teve acesso ao documento. De acordo com o tribunal, existem documentos do ministério orientando o uso da medicação, mas o ministro, desde o dia 18 de janeiro, passou a dizer que não orienta o tratamento precoce – e, sim, o atendimento precoce.
Por Ben-Hur Correia e Helton Setta, TV Globo

Documento do Ministério da Saúde enviado ao TCU mostra contradições em relação à cloroquina.

O Jornal Nacional teve acesso a um documento enviado pelo Ministério da Saúde ao Tribunal de Contas da União, no qual a pasta faz afirmações que contrariam diversas manifestações públicas anteriores do ministro Eduardo Pazuello.

O documento foi uma resposta ao TCU, que tinha cobrado explicações do ministério sobre o uso de cloroquina para tratar pacientes de Covid – um remédio que não tem eficácia e oferece riscos de efeitos colaterais graves.

O ministro Benjamim Zymler, do TCU, apontou ilegalidades na utilização de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) no fornecimento e compra de cloroquina, num despacho do dia 22 de janeiro: “Verifica-se não haver amparo legal para a utilização de recursos do SUS para o fornecimento desses medicamentos com essa finalidade”.

O remédio não foi autorizado pela Anvisa, nem por nenhuma autoridade sanitária estrangeira no combate à Covid. Uma auditoria da Secretaria de Controle Externo da Saúde do Tribunal de Contas identificou a ilegalidade.

O TCU enxergou também uma contradição nas posições do Ministério da Saúde e nas falas de Pazuello. De acordo com o tribunal, existem documentos do ministério orientando o uso da medicação, mas o ministro, desde o dia 18 de janeiro, passou a dizer que não orienta o tratamento precoce – e, sim, o atendimento precoce.

“Nunca, nunca indiquei medicamentos a ninguém. Nunca autorizei o ministério a fazer protocolos indicando medicamentos”, disse. Pazuello muda o discurso e diz que ministério nunca recomendou ‘tratamento precoce’ para Covid

O TCU pediu um posicionamento oficial do ministério. Na resposta, obtida pelo Jornal Nacional, a pasta afirma que recomenda a busca pelo atendimento precoce, mas não vai retirar do ar ou modificar, por enquanto, a nota técnica que orienta o uso dos medicamentos para pacientes com Covid.

“A posição do ministério a respeito do tema abordado é a recomendação de que a pessoa que sinta (…) a manifestação de sintomas compatíveis da Covid-19 (…) busque atendimento médico o mais precocemente possível”, diz um trecho.

“Quanto à manutenção da nota em vigor, ela perdurará, no que depender deste Ministério, em vigor e disponível para consulta”, acrescenta o ministério.

A nota, publicada originalmente em maio do ano passado, recomenda o uso de cloroquina associada à azitromicina para pacientes em todos os estágios da doença.

Na resposta enviada ao TCU, o ministério coloca em letras maiúsculas a frase: “Falta de comprovação científica definitiva não significa falta de eficácia”.

Os principais órgãos de saúde de vigilância sanitária do mundo, incluindo a Anvisa, já reconhecem a ineficácia da cloroquina para o tratamento da Covid.

O ministério ainda respondeu que coube a ele informar algumas possibilidades de esquemas terapêuticos e orientar doses seguras, mas que as informações não têm caráter de obrigatoriedade nem de protocolo clínico, e que não enxerga qualquer inconsistência nas posições adotadas.

No documento, além de orientar, o ministério prescreve doses precisas e combinações dos medicamentos para serem administrados desde os primeiros dias da doença.

A médica Margareth Dalcolmo criticou os orientações do ministério para sugerir remédios sem comprovação para a doença.

“Toda a recomendação a ser feita por órgãos públicos ou privados, e que seja recomendados para o uso em pessoas, tem que ser baseada nas melhores práticas e, portanto, na melhor fundamentação científica.” Em maio do ano passado, Pazuello assinou um documento técnico recomendando a cloroquina. E, em setembro, na posse do ministro como titular da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) exibiu uma caixa do remédio e fez propaganda dele.

“Nesse prédio aqui, aproximadamente 200 pessoas foram acometidas pelo vírus. Não tive informação de nenhuma que foi sequer hospitalizada. Porque, em grande parte, tomaram… (mostra a caixa de cloroquina). Não o remédio do Bolsonaro, mas o remédio que tinham (aplausos)”, disse o presidente.

Pazuello disse: “O tratamento precoce salva vidas (aplausos). Com o fortalecimento dessa conduta, presidente Bolsonaro, já alcançamos de mais de 3,6 milhões de pessoas recuperadas”.

Em outubro, um estudo liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou a ineficácia da cloroquina. Mas, no mesmo mês, quando Pazuello se recuperava da Covid, ele e o presidente insistiam.

“Se algum médico não quiser receitar a hidroxicloroquina, o que que ele faz?”, perguntou Bolsonaro.

Pazuello respondeu: ”O médico chama outro médico, e, se o paciente quiser tomar, assina lá o compromisso, e o médico receita”.

Bolsonaro completou: “Vem o recado mais importante aí: o pessoal que tem comorbidade, mais idoso, se cuida, tudo bem, mas, se for acometido, procura um médico rapidamente e toma o coquetel Pazuello aqui, tá ok, pessoal?”.

Em 14 de janeiro, Pazuello e Bolsonaro afirmaram em uma transmissão ao vivo pela internet.

“Tratamento precoce é preconizado pelos conselhos federais, conselhos regionais, é orientado pelo Ministério da Saúde, se mostrou eficaz em todas as cidades e estados do Brasil”, disse Bolsonaro. “É a mesma coisa o tratamento precoce da Covid com hidroxicloroquina, com invermectina, com a Anitta, azitromicina, vitamina D (…) Você entrou com tratamento precoce agora em Manaus, não entrou?”, perguntou o presidente a Pazuello.

O ministro respondeu: “Já está funcionando com a nova gestão”.

A TV Globo pediu que o conselheiro da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos Starling, que analisasse as respostas do ministério ao TCU.

“Na realidade o Ministério está se contradizendo. Porque ele veio preconizando ao longo de todos esses meses o tratamento precoce com drogas ineficazes. E drogas que hoje não encontra em qualquer respaldo. Sejam das sociedades científicas nacionais ou internacionais. Portanto é um documento que contradiz o que é evidente que foi dito”, disse Starling.

“Acho que um gasto enorme de energia de tempo, eventualmente inclusive de dinheiro que poderia ter sido melhor investido no sentido de ajudar os ensaios de vacina, ajudar os investimentos para que nós tivéssemos uma vacina brasileira exatamente como os outros países do bloco dos Brics tiveram. Então acho que foi um equívoco sem dúvida nenhuma”, argumenta Margareth Dalcolmo.

Aplicativo
No mesmo despacho o ministro Benjamim Zymler pediu que o Ministério detalhasse o funcionamento do aplicativo TrateCov. Lançado em janeiro como uma ferramenta para auxiliar os médicos no tratamento da Covid, o aplicativo induzia ao uso de Cloroquina, Azitromicina e Ivermectina.

O Ministério respondeu que a plataforma deveria ser utilizada somente por médicos, mas admite que houve falha em não informar que as opções sugeridas seriam parte de opções para o médico. O aplicativo está fora do ar desde 21 de janeiro. Pazuello afirmou nesta quinta no senado que o servidor responsável pelo aplicativo foi afastado.

“O aplicativo tem como objetivo facilitar a adoção de uam determinada conduta. Além do aplicativo, que foi lançado em Manaus, vários colegas que são defensores para esse tipo de medicamentos, foram para lá orientar os médicos locais e vários desses médicos na realidade foram constrangidos a prescrever esse tipo de medicamento”, comenta Starling.

Esta semana, o TCU fez uma outra cobrança por mais esclarecimentos ao Ministério da Saúde e também ao comando do Exército sobre a produção e distribuição de cloroquina.

O ministro Benjamim Zymler quer informações sobre a doação feita pelos Estados Unidos de 3 milhões de comprimidos de cloroquina, os critérios de distribuição para secretarias estaduais e municipais, e detalhes dos processos de dispensa de licitação para compra de insumo para produção de cloroquina no laboratório do Exército.

O Ministério da Saúde e o Comando do Exército têm 15 dias para responder ao tribunal.

O Ministério da Saúde não quis comentar o documento entregue ao Tribunal de Contas da União e enviou a mesma nota de quinta-feira, em que afirma que aumentou a distribuição de cloroquina pra atender à demanda dos estados.

Fonte G1

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